Rumo ao Alvo (Inicio: Março 2008)

terça-feira, 17 de junho de 2008

De volta ao post anterior

O último post não tinha como objectivo menorizar as situações reais de compulsão. Muito antes pelo contrário. Só acho que não podemos denominar indiscriminadamente de compulsão cada ataque de gula. Há um tempo atrás estive numa festa de aniversário e uma amiga/conhecida de há anos, que sempre foi muito magra e agora está gorduchita, depois de comer de tudo e na quantidade que quis, lá se lembrou da balança e saiu-se com esta pérola: "ai esta minha compulsão...". Minhas queridas, aquilo a que assisti não foi garantidamente um "ataque" de compulsão. Pelo contrário. Foi alguém que saboreou nas calmas cada pitéuzinho até extrapolar largamente os limites. Coisa que eu poderia perfeitamente ter feito também, se não estivesse naquele momento muito motivada para me cuidar. A diferença é que se eu tivesse comido assim (coisa que fiz milhentas vezes) teria assumido a gula sem qualquer pudor. Não que o assumir tivesse o poder, por si só, de me conter atempadamente em situações subsequentes. Mas o não asssumir é o primeiro passo para nos desresponsabilizarmos dos nossos actos. Sempre que colocamos as razões das nossas condutas em algo externo a nós ou à nossa vontade, acabamos mais facilmente por assumir posturas mais ou menos passivas. Voltando à questão "compulsão", até é uma questão a que sou bastante sensível, acho importante que as pessoas falem no tema sem tabus, que percebam que não é vergonha nenhuma procurar ajuda profissional e que psicoterapia é algo de muito positivo e não algo reservado a "fracos da cabeça" ou "malucos" (como algumas aves raras continuam a achar, em pleno sec. XXI). Longe de mim criar a ideia de que estaria a menorizar situações que são sérias e dolorosas. Agora há também que distinguir um ou outro episódio compulsivo pontual, motivado, por ex, por uma alimentação extremamente restritiva (que coloca corpo e mente em alerta) de uma situação que é habitual, foge sistematicamente ao controlo e cria sentimentos de angústia, vergonha e culpa.

Até acho que tenho uma noção relativamente clara do que é sentir a falta de controlo (bem diferente da pura gulodice) que leva a devorar (quase) tudo indiscriminadamente que nos aparece pela frente. No geral, quem produz insulina à bruta e atinge níveis de glicose no sangue, por vezes, excessivamente baixos, tem uma ideia do que é sentir-se assim. Acontece uma vez por outra. No meu caso acontece volta e meia pós-crises de hipoglicémia mázitas. Ocorrem-me inúmeras situações sucedidas. Por ex, o dia em que dei cabo do estoque de bolachas em casa dos meus tios ou o dia em que devorei as tabletes de chocolate branco de um amigo com quem partilhei casa durante algum tempo. Tudo durante a noite e após o ataque aos salgados. Até costumo ser uma gaja mais educada do que isso...principalmente, com aquilo que não me pertence. No dia a seguir, fui comprar tudo para repôr, o que não me livrou do sentimento de embaraço. Mas o que torna ambas as histórias realmente significativas é que não gosto daquelas bolachas e sempre detestei chocolate branco. Nunca fui capaz de o comer. Só mesmo um desejo para lá de absurdo de devorar porcarias e comer doces, me poderia fazer comer tais coisas (na ausência de outros doces de que gosto) e com tamanha rapidez e voracidade. Perdi a conta às vezes em que aprontei coisas do género. Recentemente, queixei-me aqui 2 ou 3 vezes das hipoglicémias mais saturantes dos últimos anos. Melhorei e voltei a piorar, mas perdi a paciência para voltar a falar nisso. Foram vários dias bem complicados. Tive dias absolutamente contidos e momentos em que tendi a extrapolar as quantidades habituais, mas mantive-me no tipo de alimentação que decidi que ia ter. Em alguns momentos, o mesmo desejo e aquela ansiedade bruta estiveram lá, mas também a consciência de que ceder era uma escolha minha e que ceder só iria piorar a forma como me sentia.

Bem diferente é quando a pessoa não é mais capaz de efectuar escolhas ou não se sente minimamente capaz de escolher porque sente não ter qualquer comando sob a sua vontade. Isso acontece com as verdadeiras compulsões, sejam por comida, jogo, sexo, etc. Aí, a melhor saída é mesmo procurar ajuda. Cada um de nós merece o melhor de si mesmo e temos sempre que acreditar que merecemos uma vida melhor e feliz. Mesmo quando a nossa cabeça parece nos atraiçoar e a visão toldada pela angústia e depressão nos faz pensar o contrário.

1 comentário:

Flávia disse...

Marisa,

Concordo com tudo que disseste e deixa-me te dar os parabéns: escreves muito bem!

Compulsão verdadeira precisa de tratamento, mas nomear cada ataque de gula como compulsão é uma forma de se eximir da responsabilidade, da mesma forma que culpar a genética, a idade ou seja lá o que for pelo excesso de peso.

Beijos